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LUIZ GUIL: Uma vida dedicada ao comércio e ao ensino

Luiz Guil avalia um lote de cebolas em Barreiro, município de Guamiranga (1997). Ele ensinava que o produto necessita de ventilação para secar e não apodrecer. Para tanto, os assoalhos dos paióis teriam de ser construídos com frestas entre as tábuas. A cebola também poderia ser armazenada em camadas, sobre estrados feitos de ripas, como na fotografia

Ele foi o precursor na venda de insumos agrícolas em Prudentópolis. Entre as décadas de 1970 e 1990 distribuiu centenas de toneladas de adubos, além de calcário, sementes de feijão e milho e defensivos. Mas sua atuação foi além do comércio. O maior prazer de Luiz Guil era aprender e ensinar novas técnicas agrícolas. Até os últimos anos de sua vida — faleceu em 2015 — recebia em casa os amigos agricultores e disseminava entre eles seus conhecimentos sobre plantio e cultivo de batata e cebola, adubação e poda de árvores frutíferas.

O INÍCIO EM QUEIMADAS

Luiz era filho dos descendentes de poloneses Ana Lenart e Francisco Guil. Nasceu em 1929, no povoado de Queimadas, onde viveu entre caçadas e roçadas, plantando batata e cebola, amarrando feijão no milho, debulhando trigo e centeio.

Francisco era leitor de livros poloneses e incentivava a leitura de seus filhos — Casemiro, Luiz, Augusto e Bárbara. À medida que eles concluíam os estudos iniciais, eram enviados à Vila de Prudentópolis para fazer o “5º Ano”. Com uma professora de polonês, de sobrenome Schuber, Luiz teve contato com os romances de Henryk Sienkiewicz e as novelas de Bruno Schulz, que seriam determinantes nas suas concepções de mundo futuras. Absorveu as instruções de seu pai e de seus mestres, tomando a Polônia como pátria. As dores das letras polonesas, as notícias da dominação nazista trazidas pelas ondas curtas do rádio, os lamentos da mãe e a doença prematura do pai construíram na mente de Luiz um sólido monumento ao padecer.

Mas aos dezessete anos, no retorno a Queimadas, ele apresentou também sua veia heróica, ao tomar frente no combate a uma infestação de gafanhotos. Originários do Chaco argentino, os insetos invadiram a região de Prudentópolis no dia 3 de outubro de 1946. Quando chegou a notícia de que a prefeitura estava distribuindo lança-chamas para atacar a praga, Luiz apanhou a carroça da família e foi buscar. Mas os colonos começaram a brigar pelo instrumento. Diante da confusão, Luiz instituiu um sorteio para a utilização do lança-chamas e decretou:
— Quem criar encrenca vai ter o nome riscado da lista.

Os agricultores não estavam acostumados a ouvir ordens de um jovem, mas concordaram. O trabalho de incineração dos insetos e de suas ovas foi eficiente, porém não fez amenizar os prejuízos já causados. Todos os vegetais haviam desaparecido do campo, e a colônia estava arrasada. Mas Luiz emergiu do episódio como uma personalidade respeitável.

Propriedade da família Guil em Queimadas (cerca de 1967)

A PROFESSORA ITALIANA

Ana Justina é filha de Pedro e Petrina Pontarolo, descendentes de italianos que estabeleceram-se em Boa Vista, no atual município de Guamiranga. Após concluir o 5º ano, ela foi dar aulas em Papanduva de Baixo, seguindo em 1949 para Queimadas. Aos 20 anos já era mulher formada, com os olhos amendoados, cabelos pretos e pele clara, os vestidos rendados.

— Quando cheguei, olhei aquela capela coberta de tabuinhas e a escola sem pintura e pensei, nossa, que lugar feio! Vou ficar só uma semana! Mas quando vi aquelas crianças tão bonitas chegando na escola achei que iria gostar. Acabei ficando vinte e quatro anos! (Justina, 2015)

Foi morar na sede escolar, em companhia de uma professora ucraniana, Maria Gerei, com quem passou a repartir um pequeno quarto e uma cozinha. Ao ver a nova professora desfilar as rendas em torno da escola e da capela, Luiz sentiu um irresistível fascínio. E apesar da estranheza inicial — entre um polaco e uma italiana — o diálogo vingou com a facilidade e a felicidade dos jovens que se identificam, se não ao primeiro, ao segundo olhar. Os olhos de Luiz, da cor do céu, eram naturalmente melancólicos, mas ele tinha presença e eloquência.

Ela mostrou as avarias no telhado da escola e os problemas na pia. Faltavam ripas na cerca dos fundos e as galinhas da vizinhança devoravam as verduras. A fechadura da porta do armário estava quebrada e os ratos atacavam os mantimentos. Justina expunha os problemas e Luiz maquinava os expedientes para os consertos. Nos dias seguintes providenciou ferramentas, pregos, tábuas e ripas e começou a trabalhar na escola, passando de quando em quando pela porta da sala onde Justina ocupava-se com os alunos e, nesses instantes, também com ele. Nos almoços com as professoras, Luiz contava suas atividades e planos futuros. Morava a dois quilômetros, na parte baixa da colônia, em companhia da mãe e de três irmãos. Mas estava estabelecendo-se no centro do povoado com uma bodega.

Ao fim das aulas Luiz e Justina eram vistos sentados no banco em frente à escola, tecendo os primeiros fragmentos de sua vida em comum. O maior orgulho de Luiz, além da ancestralidade polonesa, eram suas cicatrizes, resultantes de machucados na lida com as ferramentas agrícolas. Quando abriu a perna com uma foice, fechou-a com uma agulha de costurar sacos. Mostrou à moça os sinais ainda vermelhos dos pontos na panturrilha. Ela não se impressionou com os episódios de valentia, mas louvou a capacidade do rapaz em criar soluções aos problemas de toda espécie. Poucas semanas depois já eram assunto corrente em todas as conversas do povoado. A nova professora estava de namoro! Os namorados não se tocavam sequer nos dedos, mas todos sabiam.

Luiz deixava de lado seus afazeres para levar conforto às moças. Mas soube que estava apaixonado somente quando recebeu o aviso de que Ana Justina havia sido conduzida inconsciente ao hospital após receber um coice de um cavalo.

— Eu estava bordando uma toalha na frente da escola — lembra Justina. — Naquele dia tinha um bando de cavalos perto da capela. Fazia sol, mas ventava e ameaçava chuva, os cavalos ficaram enlouquiçados. Passou um carroção de tolda, eles se assustaram e vieram em disparada pra cima de mim, não deu tempo de me recolher. Quando levei o coice, desmaiei.

O pai de Maria, Estefano Gerei, conduziu Justina à cidade. Foram dezessete quilômetros sacolejando sobre uma carroça. Ela acordou quando já estava no hospital

Avisado do acidente, Luiz partiu com seu libuno a galope. Ao chegar à casa dos pais de Justina, localizada na entrada da vila de Prudentópolis, Petrina indagou quem ele era e por que estava chorando. Luiz devolveu perguntando se era verdade que a Justina havia morrido!

Poucos meses depois, Luiz e Ana Justina tornaram a viajar até a cidade, desta vez para formalizar o casamento. Casemiro e Safate Gerei — irmão de Maria — que serviriam de testemunhas, seguiram no banco traseiro da carroça. Ao final das assinaturas no cartório dirigiram-se à casa de Pedro e Petrina, onde sua filha Mercedes recepcionou os recém-casados e as testemunhas com uma gorda sopa de galinha. Entre os convidados estava Vicente Sublime, irmão de Justina, que ofereceu seu jipe para que os noivos fizessem com maior conforto a viagem de volta. Casemiro e Safate retornaram com a carroça.

Casamento de Luiz e Ana Justina Pontarolo (1952). Fotografia de Zigismundo Novitski

COMÉRCIO E LIDERANÇA

Em sociedade com Casemiro e Augusto, Luiz abriu uma bodega, comprou um caminhãozinho Chevrolet e passou a transportar as mercadorias de Queimadas para as cidades de Prudentópolis, Irati e Ponta Grossa. Voltava carregado de açúcar, sal, farinha de trigo e outros manufaturados, que ele e os irmãos vendiam na bodega. Acionado a manivela, o caminhão também servia de ambulância e ônibus. Na véspera das viagens, Luiz deixava aviso na porta da bodega, o que fazia lotar de passageiros a carroceria.

Quando a família ou os vizinhos adoeciam, ele buscava a cura num livro de homeopatia concedido por um sabatista da Linha Manduri. Aplicava chás amargos quando os filhos ou os alunos de Justina tinham enjôo, erva cidreira e mel-poejo nas dores de barriga. E se as ervas não se mostravam eficientes, dispunha de uma caixa bem fornida de remédios sintéticos. Numa ocasião em que os estudantes foram tomados por uma virose e já se espalhavam em torno da escola com vômito e diarréia, ele atacou com a mesma terramicina que utilizava no tratamento de porcos e vacas. E funcionou!

Luiz e Justina tornaram-se líderes do apostolado local. Em sua casa hospedavam padres, bispos e missionários. Ali era o centro das reuniões da comunidade. As decisões sobre as festas e outros eventos religiosos eram tomadas em rodas de chimarrão. Durante alguns anos, os padres capuchinhos deixaram na casa dos Guil uma biblioteca ambulante, à disposição da comunidade. Projeto do “padre-doutor” Wenceslau Szuniewicz, de Irati.

Luiz providenciava os consertos da capela e buscava os religiosos na cidade, enquanto Justina e Maria catequizavam as crianças para a Primeira Comunhão e organizavam as festas. Luiz era o conselheiro para assuntos de toda sorte. Também aplicava injeções, tirava fotografias (possuía um laboratório de revelação caseiro), castrava e medicava suínos, emprestava dinheiro. Nos momentos de folga ouvia Chopin na Rádio Guaíba de Porto Alegre e contava as histórias da química Maria Curie. Eram seus heróis poloneses. Quando Justina adoecia, ou encontrava-se nas últimas semanas de gravidez, era ele quem assumia a sala de aula. E incrementava o ensino falando de viagens espaciais e de todas as alegorias que a literatura lhe proporcionara.

Em 1972 mudaram-se para a cidade de Prudentópolis, onde foi instalada a Cerealista Luiz Guil. Nas décadas seguintes, além do comércio de cereais, a empresa especializou-se na distribuição de adubos e insumos agrícolas. E o comércio de cebolas foi incrementado, com uma máquina classificadora do produto. Nos primeiros anos, Luiz reunia em seu depósito cerca de 10 a 15 “trançadeiras”, que passavam o dia trançando cebola em palha de trigo. Mas para obter um bom produto, era necessário ensinar a técnica do cultivo e armazenamento aos colonos.

Acima de sua liderança comunitária, Luiz Guil deu exemplo do que é ser um amigo verdadeiro. Era a virtude que seus companheiros mais prezavam. Quando saiu de Queimadas, deixou dezenas de compadres, comadres e afilhados.

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